RS: à espera da próxima tragédia?
- Fábio Ostermann
- 22 de jun.
- 3 min de leitura
Com as chuvas que novamente elevaram o nível dos nossos rios na última semana, muitos de nós sentimos um inevitável frio na espinha. Qualquer evento climático mais severo nos remete diretamente ao trauma e à devastação que vivemos em maio de 2024. A verdade, que pode ser dura, mas que precisamos encarar, é que esta é a nova realidade com a qual nós, gaúchos, teremos que aprender a conviver.
Especialistas alertam que eventos climáticos extremos serão cada vez mais frequentes e intensos, resultado de uma complexa mudança na dinâmica climática global. Para lidar com isso de forma eficaz, precisamos urgentemente superar uma falsa dicotomia que apenas nos atrasa: de um lado, a visão do pânico alarmista, que prega uma ortodoxia ambiental restritiva como única saída; do outro, a visão da omissão negligente, que domina a maior parte do tempo e só se lembra do problema quando a água já está no pescoço. Ambas estão equivocadas.
Em primeiro lugar, é um equívoco grosseiro supor que a solução passa pela redução das emissões de gases de efeito estufa do Brasil. Nosso país é tomador, não formador, de "preço" nesta agenda. Nossas emissões são uma parcela irrelevante do total global. Dados mostram que os quatro maiores emissores – China, Estados Unidos, Índia e Rússia – são responsáveis por mais da metade das emissões do planeta, enquanto o Brasil responde por menos de 3%.
E o Rio Grande do Sul? Nossa contribuição para o total mundial é de aproximadamente 0,125%. Torna-se irrisória, portanto, a ideia de que as emissões geradas aqui sejam a causa direta dos eventos que nos acometem. Não defendo, com isso, o descaso ambiental. Mas não podemos aceitar que nações que se desenvolveram à custa da degradação ambiental nos imponham um fardo que impeça nosso próprio desenvolvimento.
Do outro lado do espectro, temos a perspectiva fatalista e omissa, inclusive de boa parte da população, que só cobra as autoridades quando a catástrofe é iminente. Nos últimos meses, assistimos a uma série de decisões políticas que ignoraram as lições da tragédia. O chamado "socorro" do governo federal foi, na prática, a antecipação de recursos que já eram nossos e a suspensão temporária de uma dívida extorsiva.
A folga de caixa gerada pela suspensão da dívida foi rapidamente consumida, não por investimentos em infraestrutura de resiliência climática, mas em grande parte por aumentos de despesas com pessoal. Cada reajuste salarial e cada novo privilégio concedido à elite do funcionalismo público, fruto da pressão de corporações vorazes, sangra o caixa do estado. E ainda que os chefes de poderes aleguem "autonomia orçamentária", o dinheiro tem uma única fonte: o bolso do pagador de impostos. Cada real gasto com privilégios é um real a menos na construção de diques, pontes ou moradias seguras.
Os maus exemplos se acumulam, como a tentativa do governador de adquirir uma aeronave de R$ 95 milhões ou a produção de um documentário de autopromoção com dinheiro público em meio à calamidade. Podem parecer despesas menores, mas são simbolicamente devastadoras. Quem deseja liderar precisa dar o exemplo.
Exemplos positivos, contudo, existem. Olhemos para a Holanda, onde um terço do território está abaixo do nível do mar. Eles não apenas construíram diques por séculos, mas inovaram com o projeto "Espaço para o Rio", que, em vez de apenas conter a água, gerencia seu fluxo de forma inteligente. Transformaram a necessidade em vanguarda tecnológica.
Após uma experiência tão traumática, esperava-se que a sociedade gaúcha compreendesse a urgência de priorizar a adaptação da nossa infraestrutura a parâmetros superiores de resiliência climática. No entanto, nem mesmo o desassoreamento dos rios foi feito adequadamente, que dirá a remoção de moradias de áreas de risco ou a modernização do nosso sistema de contenção.
Para isso, no entanto, precisamos de algo raro na política: visão de longo prazo e coragem para definir prioridades, dizendo "não" a quem precisa ouvir. Nossa tragédia expõe a lição do grande Frédéric Bastiat: "O Estado é a grande ficção através da qual todos buscam viver às custas de todos os outros". Nesse eterno jogo de empurra e baseado na lógica do “farinha pouca, meu pirão primeiro”, alguns poucos levam vantagem.
Mudar esse quadro é desgastante, mas é o único caminho. Precisamos entender que o governo deve ser criterioso em sua atuação, pois cada real gasto em uma área não prioritária é um real a menos naquilo que é essencial – e, no mínimo, dois reais a menos no bolso de quem financia tudo isso.
Mais do que políticos com colete da Defesa Civil posando para fotos e gravando vídeos de mangas arregaçadas, precisamos de uma reflexão profunda sobre o papel do Estado e sobre nossas próprias exigências como cidadãos. Não será fácil, mas este é o único caminho para, de fato, começarmos a mudar o Rio Grande e o Brasil.
Commentaires